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Ele tinha tara por mulheres difíceis 
Playboyzinho, filhinho de papai rico, fez o diabo até os vinte e dois anos. Embriagava-se de rolar nas calçadas da cidade. E era preciso que os amigos ou a polícia o levassem para casa, em estado de coma. De vez em quando, o pai perdia a paciência. Chamava o rapaz, passava-lhe um carão tremendo: “Vou te deixa a pão e água, sem um tostão, seu malandro!”

Como o pai não cumpria nunca a ameaça, Klebinho continuava na mesma vida. Um dia, numa boate, passou do limite mais uma vez; promoveu uma confusão que ficou na história da cidade. Levou muito na cara, foi um escândalo para a respeitada família.

De manhã, o velho estava no quarto do filho, gritando, possesso de raiva:

— Você é a vergonha da família!

Klebinho não abriu a boca. Com todos os seus defeitos, que eram muitos e graves, respeitava o pai. No fim, o velho disse a última palavra: “Você agora vai trabalhar, seu animal!”.

E, de fato, já no dia seguinte, Klebinho tomava posse no seu primeiro emprego, como gerente numa das empresas do pai. Seu primeiro ato foi nomear secretário um amigo e companheiro de farras, o Joaquim.

No primeiro dia, não fizeram absolutamente nada, senão olhar um para o outro. De vez em quando, um dos dois tinha a exclamação: “Rapaz, mas trabalhar é bicho chato, vixe!”

Mas, na hora do lanche, o Joaquim foi dar umas voltas pelo escritório. Voltou outro. Esfregando as mãos, anunciou:

— Meu rei, aqui tem umas gatinhas de primeiro trabalhando aqui.

O GOSTOSÃO
Continua...


E, então, rapidamente, com a colaboração do Joaquim, Klebinho foi tomando conta do ambiente. Nem um nem outro faziam nada; mas, em compensação, enchiam o gabinete de funcionárias. Era um cabaré ao longo de todo o horário de trabalho. De vez em quando, o Klebinho, atracados a uma das moçoilas do serviço, gritava para o secretário:

— Fecha a porta à chave, porra!

O outro obedecia e o resto dos empregados, atônitos, faziam as suposições do que estaria rolando lá dentro.

Uma das funcionárias quis se engraçar com o Joaquim; este, porém, foi claro, leal, definitivo: “Comigo, não! De jeito nenhum!”. A outra não entendeu e ele teve que ser mais claro. Explicou, então, que, no escritório, o chefe tinha prioridade absoluta. E insistiu: “Primeiro, ele; depois, eu”.

A verdade é que Klebinho não precisava fazer esforço nenhum. O Joaquim é que, com um tato e uma eficiência admiráveis, convencia as companheiras. Usava todos os argumentos, inclusive os de ordem prática:

“Ele te aumenta o ordenado, sua boba!”. De vez em quando, havia maior ou menor resistência. Foi, por exemplo, o que sucedeu com uma nova secretaria, uma loura digna de dançarina dos Aviões, que se notabilizava pela altura e as roupas coladas em seu corpo estrutural.

Assim que a viu, Klebinho chamou o Joaquim: “Cara, joga uma conversa nessa dai!”. O outro não discutiu, arrumou o número dele e pendurou-se no celular.

Porém, para o azar de Klebinho, a moça tinha um namorado.

 — Mas e o meu namorado, indagava ela.

Joaquim desdobrava:

— Teu namorado não precisa saber. Não saberá nunca!

E ela, morrendo de medo de ser descoberta:

— Não! Não quero isso, Deus me livre disso!

Mas acabou indo. Primeiro houve uma conversa, depois um encontro num barzinho, depois um passeio delirante de carro! Depois... no dia seguinte, pela manhã, Joaquim perguntava: “Como foi?”.

Klebinho bocejou:

— Dei um trato nela. Agora posso devolver ao dono. Kkkkkkkkkk.

Os dois riram.

A GAROTA DIFÍCIL 

Até que, uma tarde, Klebinho dá de cara, no corredor, com uma menina desconhecida. Toda a sua vida sentimental se fazia na base de misturasse novidades: um dia é essa, outro dia aquela... Correu para o Joaquim: “Quem é essa fulana?”. O outro foi dar uma volta e regressou com as informações:

— Complicado, chefe!

— Por quê?

— É noiva. E vai casar no mês que vêm. Séria pra chuchu!

Klebinho ficou pensativo:

— Vai lá e mete uma conversa.

E era assim o Klebinho. Ele próprio admitia: “Tenho uma tara na vida: só gosto de mulher séria”. Gostava das outras também; mas a sua paixão era a pequena difícil, apequena quase inconquistável. Joaquim voltou meia hora depois. Sentou-se, bufando, e admitiu:

— O negócio está duro. Eu te avisei: é séria. Só faltou me dar um murro na cara.

Mas o filhinho de papai rico não aceitava esse negócio de mulher difícil para ele. Quase esfrega o extrato bancário na cara do outro; esbravejou: “Sou rico, tenho dinheiro. E mulher quer é isso, dinheiro, muito dinheiro!”.

Joaquim suspirou:

— Nem todas. Nem todas...

ANGÚSTIA

Então, aquela funcionária se transformou na ideia fixa de Klebinho. Joaquim quis distraí-lo com outras sugestões: “Fulana também é muito apetitosa. E topa”.

Klebinho respondia: “Não me interessa. Quero é ela. Só ela. Ah, menino! Eu beijava aqueles peitinhos!”.

Agarrou Joaquim pela gola da camisa e o sacudiu:

— Ou tu me arranjas essa “vagabunda” ou tu vai ficar sujo comigo!

Joaquim ficou alarmado. Tentou outras vezes, de todos os jeitos, cercou a menina, mas encontrou a mesma resistência ou, por outra, uma resistência mais dura. A menina, que se chamava Flavinha, gostava do noivo, era louca por ele.

Joaquim procurava tentá-la, fazendo oferta: “É um alto negócio pra ti, sua trouxa!”

A menina acabou explodindo: “Não sou o que você pensa. Não quero isso! Isso é assédio, é crime, sabia?!”

E Joaquim, com medo de barulho, de escândalo, escapuliu. Nessa tarde, Klebinho, foi de uma grosseria tremenda: “Você é um merda, uma bosta, não tá me servindo de nada nesta porra aqui!”. E concluiu, dizendo:

— Eu mesmo vou resolver esse assunto!

Era, porém, outro homem. Estava decidido a conversar pessoalmente com a garota difícil. Na verdade, Klebinho estava angustiado com os minutos, as horas... Parecia que só havia no mundo uma mulher e que esta mulher era Flavinha. Esperou ainda dois dias. Depois disso, nomeou a menina sua secretária. Avisara Joaquim: “Vou entrar de vez”.

E, realmente, ele não teve cerimônia. Começou com uma pergunta aparentemente inofensiva:

“Quanto é o teu salário aqui?”. Um pouco surpresa, Flavinha respondeu:

— Dois mil reais.

— É uma miséria! Uma vergonha!

E foi só, por esse dia. Mas, de noite, em casa, Klebinho não conseguiu dormir.
Joaquim, que o levara em casa, lembrou-lhe: “Não te disse? Essa é das sérias, melhor larga de mão e procurar outras”.

Klebinho, do fundo de sua angústia, teve o desabafo feroz:

— O dinheiro compra tudo!

No dia seguinte, entrou no escritório com uma garrafa de uísque debaixo do braço. Pouco depois, o contínuo trazia o copo e, então, no seu desespero contido, começou a beber. O álcool o tornava cruel e cínico. Fez, de repente, a pergunta:

— Você é séria?

Flavinha, que procurava uma ficha qualquer no armário de arquivos, virou-se, espantada.

Não ouvira direito: “Como?”.

Ele repetiu. E ela, sem parar de encará-lo, respondeu:

— “Sou”.

Ergueu-se, aproximou-se:

— Tem certeza?

— Absoluta.

Durante alguns instantes, olharam-se apenas. Ele voltou para a secretária, sentou-se na cadeira giratória.

Flavinha parara o serviço e não perdia nenhum de seus gestos. Foi então que Klebinho com a voz estrangulada disse:

— Quer ganhar cem mil reais?

A princípio, Flávinha entendeu “cem reais”. Klebinho teve que repetir:

— Cem mil reais. Cem – mil – reais! Você quer?

Encostara-se no armário de arquivos, como se lhe faltassem forças. E duvidava ainda:
“Cem mil reais?”.

Ela não estava mais segura de si mesma. Quis saber: “A troco de quê?”. Klebinho estava, de novo, a seu lado; implorava:

— Basta que você fique comigo uma hora, numa casa. Só uma hora. Cem mil reais por uma hora!

E, ali mesmo, diante da menina atônita, ele pegou uma pasta preta e abriu diante de Flavinha. Estava cheia de dinheiro. Seguramente tinha cem mil reais bem distribuído na maleta.

Num breve deslumbramento, a moça olhava aquele dinheiro e pensava no que dava para fazer com ele. “Muita coisa”, concluía em pensamento.

Mas, então, e reagiu, desesperada, gritando:

— Mas eu sou noiva! Teu amigo já não te disse que eu sou noiva? Que vou casar no mês que vem?

Sem dar ouvido aos clamores da jovem, Klebinho disse-lhe que a esperava, no dia seguinte, às dez horas, no apartamento. Escreveu o endereço num papel, que entregou à garota.

— Cem mil reais por uma hora. Só por uma hora e nunca mais. Você ficará com esse dinheiro. Cem mil, tá ouvindo? Cem mil reais! — E parecia possesso.

O DINHEIRO

Quando Joaquim soube da proposta tomou um abalo: “Cem mil reais? Você está maluco, completamente maluco!”.

Fora de si, Klebinho repetia a pergunta: “Será que ela vai?”.

O outro, balançava a cabeça sem querer acreditar: “Por cem mil, até eu!”. E o fato é que, na sua febre, Klebinho estaria disposto até a dobrar a quantia. Queria vê-la nuazinha, diante dele para fazer o que quiser.

- Eu dou é o dobro por ela, até mais, até 300 mil!

Mas no dia seguinte, pela manhã, Flavinha, que não dormira, levantou-se transformada. Jamais uma mulher se vestiu com tanta minúcia e deleite. Escolheu sua calcinha mais linda e transparente. Ela própria, diante do espelho, sentiu-se bonita demais, bonita de uma maneira quase imoral.

Klebinho marcou na hora matinal, de propósito, para evitar suspeitas. E foi assim, bem cedinho, que ela tocou a campainha da casa, em local afastado da cidade. Antes que klebinho, maravilhado, a tocasse, Flavinha fez a exigência mercenária:

— O dinheiro!

O rapaz apanhou a maleta pesada de tantas cédulas e entregou. Flavinha teve o cuidado de abrir e olhar aquela fortuna que estava em suas mãos, e numa raiva incontrolável, jogou a maleta em Klebinho, fazendo maços de notas caíram sobre ele e espalharem no chão.

Klebinho, nervoso, ainda tentou conversar: “Que é isso? Não faça isso!”.

Ela ainda pegou alguns maços de dinheiro e atirou no seu rosto.

Completamente assustado com a reação inesperada de Flavinha, ele a teria deixado ir, sem um gesto, sem uma palavra. Ela, porém, na sua raiva de mulher, esbofeteava-o, ainda. Depois, apanhou, entre as suas mãos, o rosto do rapaz, e. o beijou na boca, com fúria.

Foi então que ele gritou, alucinando.

- Você é minha, minha!


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Contos

Nova Sessão do blog do Carlinhos

Baseado nos contos de Nelson Rodrigues

“A Vida Como Ela é”

AVISO: Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência. 
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