O “corno”, a “vadia” e o “gordinho comedor” - há graça na desgraça alheia?
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O vídeo que flagra
infidelidade em motel de MG já teve mais de um milhão de visualizações
(Youtube)
Quando o carro freia, o
celular já está filmando. O motorista desce ofegante e meio atabalhoado em
direção ao flagra. Podia ser repórter do Datena cobrindo, ao vivo, uma
perseguição policial. “Aqui, ó, tô vendo a Fabíola no motel com o Léo”, informa
aos espectadores.Nos últimos três dias, mais de um milhão de pessoas também viram a ~vagabunda~ que traiu o marido com o melhor amigo dele. Somos
apresentados a cada um dos personagens dessa história que NÃO NOS DIZ RESPEITO
– o “corno”, o “gordinho comedor”, a “puta que foi fazer as unhas”. O cameraman
não tem rosto, não tem nome. Mas tem a ferramenta suficiente para amarrar a
adúltera num poste virtual e expô-la ao linchamento da praça pública chamada
internet.
- “Que papelão, hein?”
- “Que você veio fazer aqui?”
- “Mostra a cara, Fabíola”
- “Tem muito tempo que você tá
dando pra ele?”
Mais em continua...
A voz parece daquela criança
besta que, diante de uma briga no recreio, grita “ê! ê! ê! ê!” em vez de
apaziguar os ânimos. Sangue sempre foi mais divertido. Foda-se que são pessoas
reais porque, em nós, as dores são fictícias. Ficamos na posição do cameraman,
do outro lado da tela, aquele lugar em que só o espetáculo interessa. Memes,
piadas, páginas de Facebook, compartilhamentos em grupos de Whatsapp, fotos
pessoais de Fabíola com as duas filhas (uma delas ainda dentro de seu útero).
Puxa, é uma pena que as menininhas tenham sido expostas. Mas lógico que isso
não aconteceria ~se ela tivesse pensado duas vezes antes de abrir as pernas~.
Que lide com as consequências… Vida alheia, riso livre. A ~piranha de quinta
categoria~ que fique presa e assustada e deprimida em casa – sob o risco de ser
apedrejada, agora literalmente, na rua. “Há-há-há-bem-feito”.
O “amigo” cameraman registra a
fúria do marido traído (Youtube)
Porque, vamos combinar, o
corno ~bateu pouco~. A agressão física não indigna; a infidelidade, sim. Quase
como justificar um estupro apontando o comprimento da saia da vítima. “Pediu,
né?”, comenta-se nos portais de notícias. No auge do barraco, o marido confessa
que esperava “qualquer coisa” da própria mulher, mas não imaginava uma traição
dessas por parte do amigo. Curioso: é NELA que bate, é DELA que cobra
satisfações, é ELA o foco de sua ira. Talvez porque sejamos educados para
acreditar que o homem não consegue ~contrariar seus instintos~, que é da
~natureza masculina~ buscar o sexo independente das questões morais. As
notícias dão conta de que Léo foi perdoado e já fugiu para Miami.
Não é estranho que ninguém
tenha julgado o amante, tão casado quanto Fabíola? Por que seu nome não virou
sinônimo de cafajeste-filho-da-puta-sem-caráter que “não-pensou-na-família”?
Alguém descobriu que desculpa Léo deu à esposa? Será que ele forjou um “futebol
com os amigos, querida”? Quantos caras são pegos saindo do motel com outra(o) e
viram motivo de chacota nacional? No máximo a gente ri por segundos, chama de
trouxa e passa pra o próximo post da timeline. Não nos escandaliza a ponto de
viralizar um vídeo, de figurar nos trending topics do Twitter. Deeeer, quem
quer saber de algo tão ÓBVIO quanto um HOMEM TRAIR UMA MULHER? Nosso tribunal
interior funciona de forma seletiva na hora da condenação. Como no caso Fran.
Mas, não, ~não se trata de machismo~. Essas feministas são um porre, né?
Perfil falso, criado para zoar
Fabíola, postou foto da família sem poupar a criança. O efeito desfocado foi
produzido por esta colunista (Facebook)
A tal voz que grava, narra e
nos conduz naqueles famosos cinco minutos foi identificada como um amigo do
marido traído. Muy amigo. Do alto de sua provável santidade, de alguém que vive
numa realidade paralela na qual as pessoas não são humanas (não mentem nem
erram nem traem ou são traídas), o cameraman se sentiu no direito de incitar a
briga e registrar tudo para ~vingar~ tamanha sacanagem. Não sugere ao casal que
a roupa suja seja lavada entre quatro paredes. Não alerta que todos perdem
quando um escândalo da vida privada se torna público. Não tenta evitar a
violência contra Fabíola. Não desliga a câmera para acalmar o bróder com a mão
ensanguentada de socar o vidro do carro. Apenas assiste a ~graça~ da desgraça
alheia. Assim como cada um dos hipócritas invisíveis apertando play e
distribuindo likes.
*Nathalia Ziemkiewicz, autora
desta coluna, é jornalista, educadora sexual e idealizadora do blog Pimentaria.
***ESTE TEXTO CONTÉM IRONIA.
Sempre bom avisar, né, gente?









4 Comentários
Quem iniciou a celeuma foi o próprio corneado.Se há algum culpado pela polêmica é ele que provavelmente jogou na mídia. Roupa suja se lava em casa.
ResponderExcluirCom certeza VC aí de cima disse a mais pura verdade,ele fez questão de provar para o mundo todo que era corno, coitado...
ExcluirTodos queremos nossa vida privada respeitada,mas,quando a vida privada é a dos outros,não estamos nem aí!Essa a nossa hipocrisia de cada dia...
ResponderExcluirTodos queremos nossa vida privada respeitada,mas,quando a vida privada é a dos outros,não estamos nem aí!Essa a nossa hipocrisia de cada dia...
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