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Crônica



Ai de ti, Pedreiras, porque eu já fiz o sinal bem claro de que é chegada a véspera de teu dia, e tu não viste; porém minha voz te abalará até as entranhas.

Ai de ti, Pedreiras, porque a ti chamaram Princesa do Mearim, e cingiram tua fronte com uma coroa de mentiras; e destes risadas bêbadas e inúteis no seio da noite. Já movi o Rio de uma extremidade à outra, e suas águas barrentas tomaram desde o Matadouro até feia estátua do maior entre os maiores de tua terra, e tu não viste este sinal; estás perdida e cega no meio de tuas iniquidades e de tua malícia. Sem a Rio Branco, quem te sustentará? Foste iníqua despejando todo o teu esgoto no Rio, mas o Mearim mandará sobre ti a multidão de fezes de tuas próprias latrinas.

Grandes são teus edifícios de cimento, e eles se postam diante do Rio qual alta muralha desafiando o Mearim; mas eles se abaterão. E os escuros peixes nadarão nas tuas ruas e a vasa fétida do Igarapé São José cobrirá tua face; e o setentrião lançará as ondas sobre ti num referver de espumas qual um bando de jumentos em pânico, até morder a aba de teus morros; e todas as muralhas ruirão.

E os surubins e piranhas habitarão os teus porões e as negras traíras as tuas lojas do centro comercial; e os puraquês se entocarão em tuas galerias, desde a Praça Correa de Araújo até o Castelo. Então quem especulará sobre o metro quadrado de teu terreno? Pois na verdade não haverá terreno algum.

Ai daqueles que dormem em leitos de ouro nos quartos climatizados, e desprezam o vento e o ar do Senhor, e não obedecem à lei do verão.

Ai daqueles que passam em suas Hilux buzinando alto, pois não terão tanta pressa quando virem pela frente a hora da provação. Tuas donzelas passeiam na Rio Branco e se entopem de sacolas de compras de butiques, e teus jovens fazem das motocicletas instrumentos de concupiscência.

Uivai, jovens e clamai, mocinhas, e rebolai-vos na cinza, porque já se cumpriram vossos dias, e eu vos quebrantarei.

Ai de ti, Pedreiras, porque teus maiores pecados estão em vossa língua e os dedos em ristes em cada esquina; e os meninos que moram no Pau Gelado, quando for chegado o tempo das piranhas e traíras, jogarão tarrafas no cruzamento do Banco do Brasil; ou lançarão suas linhas dos Altos São José.

E os pequenos cágados que habitam os igarapés putrefatos serão libertados para todo o número de suas gerações.

Por que rezais em vossos templos, fariseus de Pedreiras, e levais flores para o templo de Oxum no meio da noite e oferendas em suas encruzilhadas? Acaso eu não conheço a multidão de vossos pecados?

Antes de te perder eu agravarei tua loucura — ai de ti, Pedreiras! Os gentios de teus morros descerão uivando sobre ti, e as armas que guarda vossas vidas se voltarão contra teu corpo, e troarão em severos estampidos; mas a água barrenta do rio e água escura dos igarapés levará milênios para lavar os teus pecados de um só verão.

E vós, filhos de escritores e comerciantes, ouve a minha ordem: reserva para o Santo os mais espaçosos aposentos de teus palácios, porque ali, entre peixes, ele habitará.

E na Praça do Jardim, os puraquês comerão cabeças de homens fritas na eletricidade; e o Cabeça de Cuia ressurgirá na abertura das pedras da ponte caída para punir homens e mulheres, cujos nomes passaram muitos anos nos blogs, no tempo em que havia blogs e blogueiros. Pois grande foi a tua vaidade, Pedreiras, e fundas foram as tuas mazelas; já caiu uma vez a Ponte, e não viste o sinal, e já mandei tragar as areias da Caema e ainda não vês o sinal. Pois o fogo e a água te consumirão.

A rapina de teus mercadores e a libação de teus perdidos; e a ostentação de teus hotéis, em cujos diamantes se coagularam as lágrimas de mil meninas miseráveis — tudo passará. Assim qual escuro alfanje a nadadeira das imensas arraias passará ao lado de tuas antenas de internet; porém muitos peixes morrerão por se banharem no uísque falsificado de teus bares.
Pinta-te qual mulher pública e coloca todas as tuas joias, e aviva o verniz de tuas unhas, a tinta de tuas sobrancelhas e canta a tua última canção pecaminosa, pois em verdade é tarde para a prece; e que estremeça o teu corpo fino e cheio de máculas, desde a Santinha até a Francisco Sá, porque eis que sobre ele vai a minha fúria, e o destruirá. Canta a tua última canção de João do Vale, oh Pedreiras!

Nos morros próximos subirão os trizidelenses, bernadenses e poção-pedrenses, e ao observaram vossa ruína, rasgarão as vestes e baterão nos próprios peitos em lamentos; e cobrirão a cabeça de cinza, pedindo clemência por ti, oh, Pedreiras! – “O que será de nós sem a Rio Branco, sem o Mateus e sem a Praça do Jardim, agora submersas em águas barrentas do rio e águas escuras dos esgotos que ferem o Igarapé São José?” Todavia, próximo  estará também o dia deles.


- Paródia da crônica  “Ai de ti, Copacabana!” - de Rubem Braga, criada por um blogueiro mordido de Pedreiras


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5 Comentários

  1. A boca fala do que o coração está cheio.

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  2. Há mais 40 anos errante em outros lugares. Porém, como dito e repetido, que bebe da água do Mearim sempre retorna. Estes tipos de crenças aumentam os sentimentos que me ligam a essa maravilhosa cidade. Parabéns linda, maravilhosa, encantadora Princesa do Mearim. Assim, com lágrimas nos olhos e nó na garganta, declamo: Eu sou filho de Pedreiras, cidade do Mearim; Desde os dezessete anos, ando por este mundo sem fim; Nascido nessa Cidade, berço poético natural; Inspiro tanta beleza, que sinto até tristeza de uma vida mortal.

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  3. Há mais 40 anos errante em outros lugares. Porém, como dito e repetido, quem bebe da água do Mearim sempre retorna. Estes tipos de crenças aumentam os sentimentos que me ligam a essa maravilhosa cidade. Parabéns linda, maravilhosa, encantadora Princesa do Mearim. Assim, com lágrimas nos olhos e nó na garganta, declamo: Eu sou filho de Pedreiras, cidade do Mearim; Desde os dezessete anos, ando por este mundo sem fim; Nascido nessa Cidade, berço poético natural; Inspiro tanta beleza, que sinto até tristeza de uma vida mortal.

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