O relatório final da CPI da Covid do Senado, elaborado por Renan Calheiros (MDB-AL), confirma o indiciamento do presidente Jair Bolsonaro por nove crimes: epidemia com morte como resultado; infração de medida sanitária preventiva; charlatanismo; incitação ao crime; falsificação de documento particular; emprego irregular de verbas públicas; prevaricação; crimes contra a humanidade; e crimes de responsabilidade.

O texto está sendo lido pelo parlamentar na sessão da comissão desta quarta-feira (20). A CPI deve fazer a votação do relatório na próxima terça-feira (26).

O documento indicia outras 65 pessoas, como os ministros Onyx Lorenzoni (Trabalho), Braga Netto (Defesa) e Marcelo Queiroga (Saúde), os deputados Osmar Terra (MDB-RS) e Ricardo Barros (PP-PR) e os três filhos políticos do presidente, o vereador Carlos, o senador Flávio e o deputado Eduardo. Não estão na lista o pastor Silas Malafaia e o ministro da Economia, Paulo Guedes, que tiveram os seus nomes avaliados pela CPI para entrar para a relação. 

Acusação de genocídio contra Bolsonaro foi retirada do relatório

O texto não contempla indiciamentos de Bolsonaro por homicídio ou genocídio da população indígena, hipóteses defendidas por parlamentares de oposição e que constaram nas versões prévias do texto que foram divulgadas pela imprensa. A inclusão dos crimes foi tema de divergência dentro do G7, o grupo de sete senadores que comanda a CPI.

Segundo Renan Calheiros, o crime de genocídio não foi retirado, mas sim "trocado por mais um indiciamento", que é o de crimes contra a humanidade.

A acusação, de acordo com o relator, contempla três ocorrências: o caso da Prevent Senior, no qual o plano de saúde teria ocultado dados de óbitos por Covid-19 obrigaria seus médicos a prescreverem medicações sem resultado comprovado; o colapso registrado em Manaus no início do ano; e as mortes identificadas entre os indígenas, com taxas superiores às do restante da população.

No geral, segundo o texto, a postura de Bolsonaro é identificável como dolo - o que configura uma violação deliberada da lei. "O governo federal criou uma situação de risco não permitido, reprovável por qualquer cálculo de custo-benefício, expôs vidas a perigo concreto e não tomou medidas eficazes para minimizar o resultado, podendo fazê-lo. Aos olhos do direito, legitima-se a imputação do dolo", diz o relatório. O texto aponta ainda que "diferentemente dos cidadãos comuns, o Presidente não pode manifestar levianamente opiniões sem fundamento fático ou científico, de forma reiterada e em meios de comunicação de grande alcance, pois, como líder máximo da nação, suas palavras são ouvidas e servem de fundamento para a conduta de muitos brasileiros".

Em relação ao crime de epidemia, o relatório imputa a infração também ao ex-ministro Eduardo Pazuello e ao ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco. Segundo o texto, "o atraso na compra e obtenção de vacinas pelo governo federal e a imposição de escassez à sociedade, com várias interrupções na vacinação, conforme observado por todo primeiro semestre de 2021, foi fator que contribuiu para o alto índice de novos casos e de mortalidade no País". O relatório menciona ainda a falta de adesão às medidas não-farmacológicas, como as ações para circulação e o uso de máscaras. O crime também motiva indiciamentos a membros do chamado "gabinete paralelo", a estrutura que auxiliaria Bolsonaro em questões à Covid-19 de modo informal. A relação contempla nomes como a médica Nise Yamaguchi, o virólogo Paolo Zanotto, o deputado Osmar Terra e os empresários Luciano Hang e Carlos Wizard Martins.

Já o crime de infração de medida sanitária preventiva imputado a Bolsonaro diz respeito a atos realizados pelo presidente como a promoção de aglomerações e a recusa do uso de máscaras. "Foram inúmeras ações dolosas e conscientes de não usar máscara ou de sequer trazê-la consigo, e, especialmente, de comunicar ao público o seu desprezo e menoscabo em relação à essas determinações oficiais, cuja única função é de reduzir o contágio pelo novo coronavírus", aponta o texto de Calheiros. As "motociatas" efetuadas por Bolsonaro também entram neste campo. Com teor semelhante aparece o indiciamento por incitação ao crime: segundo o texto, Bolsonaro estimulou a população a descumprir medidas determinadas pelos governos locais. O relatório recorda ainda o pedido que Bolsonaro fez para que cidadãos fossem a hospitais para verificar a efetividade dos estabelecimentos, sob a suspeita de que os locais gerariam desperdício de dinheiro público.

A defesa do tratamento precoce, em especial do uso de cloroquina e hidroxicloroquina, é o que levou ao indiciamento por charlatanismo. Segundo o texto, Bolsonaro "ultrapassou os limites legais" ao anunciar que o emprego dos medicamentos criaria um tratamento com "100% de cura". O apoio ao uso da cloroquina teve como consequência outro indiciamento, o por emprego irregular de verbas ou rendas públicas. O relatório diz que Bolsonaro levou o governo a produzir comprimidos de cloroquina em laboratórios oficiais, o que configurou prejuízos de larga escala aos cofres públicos.

O texto de Calheiros lembrou o episódio em que Bolsonaro divulgou um documento supostamente produzido pelo Tribunal de Contas da União (TCU) que, segundo o presidente, revelaria que metade das mortes por Covid-19 no Brasil em 2020 teria na verdade outras causas. O TCU negou a autoria do documento e Bolsonaro chegou a pedir desculpas pelo ocorrido - mas reiterou a suspeita sobre os números dos óbitos em decorrência da pandemia de coronavírus. O incidente motivou o indiciamento por falsificação de documento particular, uma vez que, quando Bolsonaro expôs o texto, divulgou uma página que continha o logotipo da TCU, o que não correspondia à realidade.

No relatório final, Renan Calheiros confirmou também o indiciamento de Bolsonaro por prevaricação (que é o crime cometido por servidor público que deixa de cumprir com suas obrigações legais).

A acusação de prevaricação é embasada no episódio dos irmãos Miranda – o deputado Luís Miranda (DEM-DF) e seu irmão, o servidor Luís Ricardo Miranda. Eles relatam ter levado ao presidente a informação de um esquema de corrupção no Ministério da Saúde. Mas Bolsonaro, segundo o relatório final da CPI, não empreendeu esforços para combater o problema. "Restam claras e comprovadas, portanto, as omissões do chefe do Poder Executivo, do ex-ministro [da Saúde] Eduardo Pazuello, do ex-secretário-executivo Elcio Franco e do atual ocupante da pasta da Saúde, Marcelo Queiroga, condutas que se subsumem ao tipo penal da prevaricação", diz o texto.

Já em relação aos crimes de responsabilidade, o relatório de Calheiros recorda que as definição desse tipo de crime os estabelecem como violações "ao exercício dos direitos sociais e contra a probidade na administração", e que "a saúde é direito social por excelência". "A atuação do Presidente Jair Messias Bolsonaro mostrou-se descomprometida com o efetivo combate da pandemia da covid-19 e, consequentemente, com a preservação da vida e integridade física de milhares de brasileiros", relata o texto. O documento especifica como fatos o que chama de minimização da gravidade da pandemia, a ênfase a medidas ineficazes, a falta de um plano nacional e outros temas.

Fonte: Gazeta do Povo