Falta de água valoriza jumentos em Lagoa Grande do Maranhão

MA 245 - Lagoa Grande do Maranhão

Quantos jumentos podem ser vistos nessa foto?

Os viajantes que transitam pela MA 245, entre os municípios de Lago da Pedra a Lagoa Grande do Maranhão, nas proximidades do loteamento do INCRA, conhecido como “Fazenda Imperial”, se deparam com uma cena bem rotineira, mas que expressa como poucas palavras o sofrimento do povo na região: inúmeros jumentos carregando barris e mais barris de água.  O loteamento não tem um poço artesiano para fornecer água na comunidade. Em razão da escassez, em pleno século XXI, os moradores da comunidade são obrigados buscarem água em localidades distantes e utilizam ainda largamente os jumentos para transportar a água. Mesmo com o advento das motos que desvalorizou os jumentos que acabaram abandonados pelas estradas de tantas cidades, em Lagoa Grande do Maranhão, graças aos descasos de gestores, talvez seja o município que mais utiliza esse animal como meio de transporte de carga no Nordeste.  

Jumentos fotografados ontem, carregando água, o líquido da vida!

Isso mesmo, em Lagoa Grande do Maranhão!

No loteamento “Fazenda Imperial”, conversarei com um morador que se identificou por Francisco Carlos, mais conhecido como “Carrin”. E perguntei por que de tantos jumentos carregando água para suprir a comunidade.

“Senhor, aqui não tem nenhum poço nos quintais das casas do loteamento, e nem adianta cavar porque água não é boa. O dia inteiro, vivemos nessa procissão de buscar água em lombo de jumentos. Aqui só resolveria se a Prefeitura cavasse um poço artesiano para tirar a gente dessa calamidade, mas o tempo tem passado e ninguém faz nada pela agente”. – reclamou o seu Carrin.

Carrim -  "Precisamos de um poço artesiano para acabar com essa procissão de jumentos!"

Esse problema não é novo e tem atravessado vários mandatos de prefeitos, veja a matéria para o jornal pequeno produzida em 2007, de lá para cá, pouco coisa mudou em Lagoa Grande do Maranhão!

Moradores são abandonados à própria sorte em Lagoa Grande - Jornal Pequeno, matéria de 8 de julho de 2007.

 

ENTRADA DA CIDADE

Fome e sede flagelam 5.400 seres humanos na 3ª cidade mais pobre do Maranhão.

PÉSSIMAS ESTRADAS

É preciso percorrer 423 quilômetros para se chegar a Lagoa Grande do Maranhão – sendo que mais de 100 deles pela perversa MA-245, uma estradinha de terra esburacada e cheia de curvas, subidas e descidas perigosas, que interliga Lago da Pedra e Lagoa Grande. Venci esse último trecho da viagem no transporte mais utilizado pela população da região – o “pau-de-arara”.

É UM DOS TRÊS MUNICIPIOS POBRES DO BRASIL

Cheguei a Lagoa Grande depois de três horas e meia de saculejo. Logo ao entrar na cidade já é possível perceber porque o município é considerado um dos três mais pobres do estado, com Índice de Desenvolvimento Humano de 0,492 – Araioses e Centro do Guilherme completam o “pódio da miséria”.

 

JUMENTO MEIO DE TRANSPORTE PARA CARREGAR ÁGUA

FALTA DE INFRAESTRUTURA

A estrutura do lugar é minúscula, como a de tantas outras cidades maranhenses que eram simples povoados antes de se emanciparem “a pulso” em 1994. Quase toda a “infra” da sede – comércio, Correios, delegacia, caixa eletrônico, dormitório, posto de gasolina, funerária etc. – fica na rua principal, a 1º de Maio. É uma das poucas ruas asfaltadas da cidade. A maior parte das vias não são pavimentadas. Essas ruas são cobertas por espessas camadas de poeira, nas quais os pés chegam a afundar.

UMA DAS RUAS DA CIDADE

Na falta de vaga no único hotel da cidade (o Dormitório Bom Gosto), me hospedei num dos quartos de paredes de taipa e chão de terra batida da casa de dona Mariana Lima do Nascimento, 53. O banheiro era um buraco no fundo do quintal e o banho tinha de ser tomado na base do balde e de uma latinha. Batalhadora, a Mariana sonha transformar a residência num dormitório de verdade. “Mas é difícil. O dinheiro que entra é muito pouco. E não dá pra contar com a ajuda de ninguém além da gente mesmo. Aqui nós estamos esquecidos. Só na eleição é que tudo quanto é político desce aqui de helicóptero, prometendo um mundo”, desabafou Mariana.

RELATO DO SOFRIMENTO DO POVO

Ela contou que só não passa necessidade porque o marido, Ivo Ferreira do Nascimento, 54, tem uma rocinha de feijão, arroz e milho num povoado conhecido como Cojuba. A rotina semanal de Ivo – e de centenas de lavradores de Lagoa Grande – é sacrificante: sai de casa na segunda-feira, às 3h da madrugada – com um jumento, que carrega uma carga de água – e só chega no Cojuba quatro horas depois (7h). Fica na roça até o sábado à tarde, quando retorna à casa trazendo o que colheu.

Cena de Lagoa Grande: jumentos ‘estacionados’ diante de casas de taipa deterioradas do bairro Mutirão.

JUMENTO ESTACIONADO ESPERANDO A CARGA PRA LEVAR ÁGUA

Cena de Lagoa Grande: jumentos ‘estacionados’ diante de casas de taipa deterioradas do bairro Mutirão.

FOME É UM MAL PRESENTE EM LAGOA GRANDE

Espectro da fome – O esquecimento ao qual Lagoa Grande foi relegada por parte do poder público, a que se referiu dona Mariana, pôde ser amplamente constatado nos três dias em que eu permaneci no município. Descobri que a área central da cidade está cercada por um “cinturão de miséria”, formado por bairros paupérrimos – como Waldir Filho, Mutirão e Rufino – e povoados idem: Marajá, Lagoa do Encontro, Lagoa do Coco etc.

Nesse “cinturão”, vivem cerca de 5.400 pessoas abaixo da linha de pobreza (63,65% da população de Lagoa Grande, segundo o Índice de Exclusão Social, calculado pelo professor José Lemos, da Universidade Federal do Ceará). Lagoa Grande figura entre as quinze cidades com maior número de excluídos no Brasil.

O POVO A PROCURA DE ÁGUA

A frieza desses números assume um novo sentido quando se vê o espectro da fome no rosto de algumas dessas milhares de pessoas, como eu vi no rosto de Luísa Conceição Sousa, 31, três filhos, moradora do Rufino. “Minhas meninas vão chegar da escola e eu ainda não consegui nada para o almoço”, me disse, meia resignada. Depois, chorou. Fui até um mercadinho e comprei algum mantimento para a família. Luísa falou que eu era “um anjo que tinha caído naquele lugar feio”. Me despedi dela sabendo que não era anjo nenhum, mas me senti um ser humano bem melhor.

LAGOAS QUE NÃO TEM ÁGUA

Água: moeda eleitoreira – A dificuldade em se obter água potável – injustificável numa região em que vários nomes de cidades e povoados lembram o líquido: Lagoa Grande, Lago da Pedra, Lago dos Rodrigues, Lago do Junco, Igarapé Grande, Lagoa do Encontro, Lagoa do Coco etc. – foi outra situação desumana com a qual me deparei nessa viagem. O sofrimento é maior nos povoados Marajá e Lagoa do Encontro (a 6 km da sede), aos quais tive acesso por uma estradinha em que o “poeirão” muitas vezes fazia derrapar a moto em que eu ia.

UMA GAROTA TRANSPORTANDO ÁGUA

Nesses povoados, a população ficou sem água potável mais de quatro meses porque as bombas que levam o líquido dos poços para as caixas d’água deram problema a Prefeitura protelou a solução para o caso. Moradores dizem que foi uma “retaliação”, uma vez que esses povoados não aceitaram ser “currais” eleitorais do prefeito de Lagoa Grande nas últimas eleições municipais. O uso do abastecimento de água como forma de controle político, pelo poder local, é um dos assuntos tratados nesta décima edição do caderno especial JP Realidade Maranhense.

POR OSWALDO VIVIANI do Jornal Pequeno

Clique e veja a matéria original

  

Participem de nossa enquete na coluna da esquerda do Blog com o seu voto: Qual destes candidatos você votaria para governador do Maranhão em 2014?