'Grupos criminosos organizados atacaram Maju', diz promotor
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Jornalista Maria Júlia Coutinho "Maju" |
À BBC Brasil, o promotor Christiano Jorge Santos, que conduz as
investigações, disse que o principal trunfo da Operação Tempo Fechado foi
identificar quem são e como se comportam os membros de grupos secretos que
articulam comentários preconceituosos no Facebook. "A novidade é a confirmação
de que há grupos organizados. Não se trata de uma ação espontânea, que ganha
volume em cadeia. São organizações criminosas com distribuição nacional,
literalmente do Rio Grande do Sul ao Amazonas."
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Até agora, 25 mandados de busca e
apreensão foram cumpridos em oito Estados – Amazonas, Ceará, Goiás, Minas
Gerais, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. A operação
envolveu mais de 20 promotores de Justiça ligados a grupos de combate ao crime
organizado do Ministério Público, além de dezenas de policiais.
De acordo com Santos, os grupos
atuam a partir de uma dinâmica de disputa e competição. Quanto maior for a
atenção midiática e o número de curtidas e compartilhamentos dos ataques, maior
é o prestígio entre os "rivais".
"Eles querem notoriedade,
competem entre si e agem como gangues de pichadores, em que uma quer sempre
aparecer mais do que a outra", afirma o promotor.
"Eles não sabem explicar o
porquê do preconceito como estratégia de reconhecimento", acrescenta.
"Indagados, dizem apenas que usam 'humor negro'."
Aliciamento
De acordo com Santos, que recebeu
a reportagem em sua sala na 1ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital,
apenas três menores de idade foram identificados – dois deles confessaram
participação nos ataques.
"Todas as atividades mais
importantes, como o aliciamento de participantes e a coordenação dos grupos que
fizeram os ataques, partiram de adultos", diz o promotor.
Ele explica que os
administradores dos grupos "pescam" novos membros em salas de
bate-papo e páginas com conotação racial. "Mesmo aquelas com tom
aparentemente de brincadeira, como 'nega maluca'. Quem faz comentários racistas
por ali é convidado pelos organizadores para participar de suas páginas. E ser
convidado traz status."
Os suspeitos mapeados pelo
Ministério Público são investigados pelos crimes de injúria qualificada,
racismo, organização criminosa e, eventualmente, aliciamento de menores.
A investigação continua.
"Puxamos o rabo do gato e veio um tigre", afirma. "Os primeiros
suspeitos ouvidos entregaram muita gente."
Os artigos eletrônicos
apreendidos passam, neste momento, por perícia. Imagens de pedofilia foram
encontradas no computador do administrador de um dos grupos.
Continua...
'Comemoração de futebol'
Cinco grupos – cujos nomes serão
mantidos em sigilo para não alimentar a "dinâmica de ostentação e
prestígio" – foram desmantelados até agora. "Aparentemente, o número
de membros não costuma ultrapassar duas dezenas", diz o promotor.
Quanto mais "famoso"
for um grupo no submundo da rede, mais rivais ele angaria.
"Há uma rotatividade muito
alta. Os grupos aparecem, ganham notoriedade e rapidamente são invadidos por
infiltrados de grupos rivais, que os denunciam até que sejam apagados pelo
Facebook", diz. "Aí tudo começa outra vez – mas os rastros para as
investigações ficam."
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Segundo o promotor, logo após os
ataques à jornalista, os comentários dentro do grupo "pareciam comemoração
de jogo de futebol".
"Detectamos até postagens dizendo que eles alavancaram a carreira
da Maju, reivindicando para si a fama da apresentadora. É coisa de gente
imatura, não parece o perfil de um neonazista, que quer fomentar ideias e
reforçar uma ideologia", afirma.
Ele ressalta, entretanto, que
isso não minimiza o gesto dos grupos. "A ação não deixa de ser perigosa,
porque enseja o aumento de ideias preconceituosas e isso funciona como bola de
neve. Os neonazistas, por investigações antigas nossas, costumam chamar pessoas
com essa tendência para participar inclusive de homicídios ou agressões nas
ruas."
'Pirâmide do racismo'
A reportagem indaga: "Além
das figuras famosas, centenas ou milhares de negros anônimos são vítimas de
racismo diariamente, online ou offline. Como a Justiça tem encarado a
questão?"
Segundo o promotor, o racismo não
tem a atenção que merece em delegacias, promotorias e tribunais.
"Os procuradores, os juízes,
os policiais, ainda não se sensibilizaram, a meu ver, da maneira adequada para
o crime de racismo. Muitas vezes, dá-se mais atenção a delitos patrimoniais,
sem violência, do que ao racismo. Em alguns países, entretanto, ele é
considerado crime a humanidade."
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5 obstáculos que mulheres enfrentam para denunciar
Santos, que em 2004 conduziu uma
investigação sobre racismo no extinto Orkut, questiona o próprio Ministério
Público. "As cúpulas das instituições, falo especificamente da minha, o MP
de São Paulo, têm que se estruturar melhor e não deixar que investigações como
essa sejam ações isoladas, mas ações institucionalizadas", diz.
Ele prossegue: "Há uma
pirâmide de base muito larga composta pelo número de crimes e um vértice muito
estreito que é o número de condenações definitivas. São pouquíssimas no
Brasil".
"No dia a dia, o racismo é
praticado a cada minuto em cada bairro ou quarteirão. É um crime de pouca
visibilidade, que provoca ainda pouca sensibilização."
'Fakes' mapeáveis
Em julho deste ano, uma foto de
Maju no perfil do Jornal Nacional foi alvo de dezenas de ofensas. Os
comentários geraram indignação entre internautas e colegas de emissora, que
criaram a hashtag #SomosTodosMajuCoutinho em defesa da jornalista.
Além de Maju, que apresenta a
previsão do tempo no telejornal, as atrizes Taís Araújo, Cris Vianna e Sharon
Menezzes também foram alvo de ataques similares recentemente.
"Não sabemos se os ataques
recentes a outras atrizes negras têm relação com esses grupos. É possível que
sim, mas há chance de terem sido realizados por pessoas inspiradas na
repercussão dos primeiros e da aparente impunidade aos autores", diz o
promotor.
"A investigação mostra que é
possível chegar aos responsáveis, mesmo que escondidos atrás de fotos ou nomes
falsos. Só um dos 12 investigados usava perfil verdadeiro. Temos métodos de
investigação, provados neste caso."
"A internet não é um oceano
de impunidade", conclui o promotor.
Fonte: BBC Brasil.
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