ALLAN ROBERTO - "Mais Médicos? Não. Mais seriedade!"
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Gostei da repercussão da primeira
parte desta análise publicada na semana passada. Entre os prós e contra
manifestos, o importante é o debate que aprimora a ideia inicial e o atender ao
chamado à reflexão sobre o tema.
Analisemos agora o “Mais Médicos”. O
programa do governo federal contrata por salário de R$ 10.000,00 mensais, mais
alojamento e alimentação, médicos para trabalhar nos serviços de atenção básica
dos municípios brasileiros com maior carência desses profissionais. É verdade
que médico é profissional escasso em algumas regiões. E é sempre um
profissional caro. (Mas vamos deixar bem claro: não são os médicos que ganham
bem; é a maioria das outras profissões que ganha muito mal.). Para tanto, a
presidenta através da Medida Provisória nº 621/2013 estimulou médicos virem do
exterior para o Brasil, inclusive concedendo a eles o registro profissional
provisório que os habilita a exercerem a profissão no país ao arrepio da
legislação vigente. Responsabiliza-se o governo ainda por um rápido cursinho de
preparação para esses profissionais e os presenteia com tablets com acesso a
internet para que eles possam tirar dúvidas rápidas e se familiarizem com nossa
terminologia e medicamentos mais comuns. Fácil resolver o problema da
assistência médica no Brasil, não é? É... parece fácil. Mas não o é. O problema
é mais complexo e profundo do que esse simplismo irresponsável e eleitoreiro
que a presidenta e sua equipe concebem. E o pior é que eles sabem disso.
Portanto, sobra irresponsabilidade e má fé do governo federal nessa questão
específica.
Continua...
A presidenta não concebeu a criação
do programa quando constatou a precária realidade da assistência à saúde
pública no Brasil ou após constatar a falta de médicos para a execução das
politicas públicas de saúde do governo dela. Mas foi após perceber nas
manifestações dos médicos nas ruas que ela não os tinha como aliados do seu
governo e isso comprometia seriamente seu projeto de reeleição. Então resolveu
criar seus próprios cabos eleitorais dentro da classe médica. Queira ou não, a
prática da medicina é uma máquina de fazer votos. E os médicos desse programa
farão ações básicas de saúde, isto é, justamente estarão junto do povão no seu
cotidiano e prática profissional. Não há maior e melhor cabo eleitoral junto ao
eleitorado mais sensível a enganação. Está aí a prova do caráter eminentemente
eleitoreiro da medida.
Não se trata apenas de ser contra o
programa. Ele tem suas incorreções, mas não é de todo ruim. Porém, o pior é ele
vir isolado, sem as demais medidas conjuntas necessárias à melhoria de fato da
assistência. Pois não precisamos somente de mais médicos, mas de mais dignidade
na prática desse exercício profissional e, consequentemente, para a população.
Só mais médicos não é solução. E enganação.
A prática médica está envolta em
muitas controvérsias e críticas, mas o problema é mais por ingerência dos gestores
públicos em suas funções do que do próprio médico no exercício da profissão. É
muito complexo esse tema. Discuti-lo aqui superficialmente pode criar margem a
mal-entendidos.Mas muitas vezes há também fatores abstratos e subjetivos que
prejudicam deveras o sucesso da prática médica, como a ignorância e a pobreza
do paciente. Em nossa região tem-se que combater 03 males no dia-a-dia da
profissão médica, na maioria dos pacientes atendidos: a doença, a pobreza e a
ignorância do paciente. Faz-se um desafio enorme o sucesso do ato médico nessa
realidade. Não é somente um único ”leão que o médico tem que matar” todo dia.
Quase todo paciente é um “leão”.
E o programa atraiu milhares de
médicos. E na sua imensa maioria cubanos e brasileiros formados em universidades
latino-americanas. Sobre nossos irmãos brasileiros, já entendemos pelo artigo
anterior dos motivos de aderirem rapidamente ao programa. É a oportunidade de
trabalharem legalmente no país sem terem que submeter-se ao Revalida. Já sobre
os cubanos cabe explanar aqui que lá eles ganham apenas 30 dólares de
salário/mês. É muito atrativo para eles os mais de 5.000,00 dólares que
arrebanharão aqui mensalmente. Ganharão por mês aqui mais do que em 10 anos de
trabalho lá.
E para esses médicos estrangeiros há
vários fatores limitadores significativos do sucesso do ato profissional deles.
As diferenças regionais das endemias, a língua, a medicação desconhecida, falta
de preparo ou preparo não comprovado da formação no exterior, grades
curriculares diferentes da nacional, entre outros. E isso não é pouca coisa
não. Vou contar um exemplo pessoal: numa das minhas férias no Maranhão quando
estudante de medicina no Rio,vi numa única manhã 06 casos de leishmaniose
tegumentar na minha cidade. Voltando à faculdade, ao iniciar naquele semestre a
disciplina de Doenças Infecciosas e Parasitárias, meu Professor titular da
cadeira, um dos mais renomados médicos do Rio de Janeiro, já idoso, disse na
aula sobre essa doença que havia visto dela apenas 01 caso clínico em toda a sua
vida profissional até aquela data. As realidades de saúde são diferentes
regionalmente no Brasil. De país para país, são mais díspares ainda.
Mas aumentar a quantidade de médicos
não é a solução do problema da assistência à saúde pública no Brasil.Falta
muito mais... Faltam investimentos estruturais significativos na saúde do país.
O governo federal para apenas R$ 10,00 por uma consulta médica do SUS. Um
borracheiro cobra R$ 20,00 pelo conserto mais simples de um pneu. E só a
presença física do médico não resolve o problema. Aliás, hoje o que amargura
muito o médico é ele saber fazer o que o paciente precisa, querer fazer, mas
não poder fazer porque as condições de trabalho não lhe permitem. É
angustiante. Faltam macas, medicamentos, equipamentos básicos como aparelhos de
pressão, estetoscópios, otoscópios, glicosímetros, nebulizadores, lanternas,
abaixadores de língua, luvas e termômetros. Falta até pia, sabão, toalha e água
muitas vezes... É essa a realidade. Em nossa região é assim. Como atender bem um
diabético se nas emergências e ambulatórios faltam aparelhinhos que meçam a
glicose (glicosímetro)? E um hipertenso sem poder medir-lhe a pressão? Uma dor
de ouvido sem poder ver o ouvido ao otoscópio? Eu já dei plantão sem aparelhode
pressão na unidade. E sem medicamentos básicos como dipirona e soro. Já
realizei cirurgias sem a existência de oxigênio no centro cirúrgico. Triste. Dá
vontade de chorar, abandonar o plantão e até a profissão.
E o que mais frustra é esse saber
fazer, querer fazer e não poder fazer porque não permitem. Sou rodeado disso e
é essa a realidade. Há recursos, sim, ainda não totalmente suficientes, mas há;
mas falta capacidade de gestão, competência, boa vontade, amor à vida,
compromisso com o ser humano e sobra má fé, desonestidade, corrupção e
insensibilidade. São tantos gestores públicos com “Síndrome de Deus” pela
sensação de onisciência e onipotência, mas sem nenhuma potência resolutiva e
sem onipresença, mas total ausência de eficiência. Sobra prepotência.
E esperemos as consequências
negativas do programa. Por exemplo: prefeitos que nos rincões do país já não
contratam mesmo mais médicos e investem é em ambulâncias para a
“reboqueterapia”, ou em enfermeiros para satisfazer a demanda de clínica médica
e pré-natal, pois tudo isso é mais barato, agora mesmo é que não contratarão
mais médicos e não investirão em recursos humanos, equipamentos e saúde
complementar. Além da demissão de médicos já atuantes nesses municípios para
economizarem com os do programa, como já aconteceu no município maranhense de
Santa Rita. Assim o programa não atinge o seu objetivo social e muda de nome:
em vez de “Mais Médicos” fica“Troca Médicos”.
O que resolveria mesmo nosso problema
de saúde pública seriam ações governamentais de caráter muito mais profundos,
abrangentes, maiores e complexos. Mais investimentos, mais médicos, mais
enfermeiros, mais assistentes sociais, mais terapeutas ocupacionais, mais
fisioterapeutas, mais fonoaudiólogos, mais psicólogos, mais equipamentos, mais
controle social efetivo, mais “provão” para avaliar o preparo dos médicos
formados no país e não somente os de fora, mais cuidado na aprovação da criação
de novos cursos médicos, mais ênfase e estímulo à formação do médico
generalista e desestímulo a especialização exagerada, mais alteração na grade
curricular dos cursos já existentes, mais fiscalização da qualidade dos cursos
médicos, mais e melhor distribuição geográfica dos médicos com políticas de
atrativos para tal, mais condições adequadas de trabalho, mais humanização da prática
médica, mais e melhores salários para o serviço público com a criação da
carreira de médico de estado como há a de juiz e promotor, mais fiscalização
dos programas de atenção básica de saúde, mais, mais e mais... Mas só “Mais
Médicos”, não.
Texto de Allan Roberto Costa
Silva, médico, ex-Vereador-Presidente da Câmara Municipal de Pedreiras,
membro da Academia Pedreirense de Letras e da Associação de Poetas e Escritores
de Pedreiras-APOESP. E-mails: allanrcs@bol.com.br e arcs.rob@hotmail.com







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Sou fã desse cara. Análise muito boa e lúcida da realidade brasileira.
ResponderExcluirMeu caro Allan, o que esta faltando mesmo é mais compromisso profissional por parte de muitos médicos brasileiros que compõe a rede pública de saúde nesse país. Já se viu médicos batendo ponto em entidades hospitalares e fogem pela outra porta, nos municípios consultam em duas horas 30 a 40 clientes do SUS e vão embora, assinam um contratado de trabalho e não cumprem, nunca são punidos pelos seus erros médicos onde os números são alarmantes em razão do corporativismo dentro do CRM, não fazem um trabalho educativo na comunidade em que trabalham, os médicos estrangeiros e principalmente os cubanos do programa mais médicos são os únicos que na Atenção Básica que fazem visitas domiciliares. Portanto, aqueles que criticam o programa mais médicos são aqueles que não precisam de um médico da AB, essa é a realidade. Quem sabe se o programa mais médico é um grande programa é a comunidade pobre da periferia desse país que nunca tinham visto um médico visitando sua casa, essa é a realidade nua e crua. Outra, a maioria desses médicos aqui no Maranhão são funcionários do estado, procurem se eles trabalham cumprindo com a sua carga horária pelo estado, nem trabalham? Somente trabalhando em clínicas particulares ou contratados por prefeituras e recebendo dinheiro público do estado sem trabalhar, essa é a verdade! Por essa razão e outras é que o governo federal buscou através desse programa levar médicos aos mais pobres, em razão da maioria dos médicos brasileiros se recusarem a atender de uma forma mais digna essas pessoas que viviam excluídas de um atendimento médico básico, esse foi um dos motivos principais que o governo federal levou a criar esse programa que somente atende as pessoas mais humildes desse país. O que se obseva nesse país é tudo aquilo que se faz em prol dos mais simples é criticado de uma forma dura pela elite desse país, acontece com o programa BOLSA FAMÍLIA, LUZ PARA TODOS, MINHA CASA MINHA VIDA, MAIS MÉDICOS, olham só a imbecilidade! Criticaram o governo do PT por ter reconhecido a discriminação feita por governos do passado com relação aos hansenianos, e o governo do PT por uma questão humana indenizou todos aqueles descendentes dessas pessoas que foram discriminadas. Isso é um ato histórico olhado por um governo que se preocupa com os mais simples desse país. ESSA É A GRANDE VERDADE.
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