Cultura - Uma análise de obras do poeta e blogueiro Fernando Atalaia
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| POR ROSSINI CORRÊA |
A TORRE DE VIGIA E O CÉU AZUL DOS ALBATROZES
Fernando Atallaia é um artista multimídia – poeta,
compositor, jornalista, blogueiro, produtor cultural– com vocação para projetar
uma singular presença nas letras e nas artes maranhenses, cujo melhor destino
sempre foi o de refinar, em espírito, a civilização nacional.
Assim foi e assim será. Desde o Grupo Maranhense que a Tribo
Timbira concorre, de maneira decisiva, para a afirmação do humanismo
brasileiro, trilhando os caminhos descerrados pela poesia universal de
Gonçalves Dias, pela tradução recriadora de Odorico Mendes, pelo cânone
linguístico de Sotero dos Reis, pelo universo matemático de Gomes de Souza e,
no mínimo, pela filosofia moral de João Lisboa e pela multibiografia
plutarqueana de Antônio Henriques Leal.
A fertilidade do Grupo Maranhense perpassou a historiografia,
com César Marques, o direito, com Candido Mendes e a política, com Luís Antônio
Vieira da Silva, antecedidos, todos, pela fulgurante presença de José Cândido
de Morais e Silva, o Farol, entusiasta das causas cívicas mais relevantes da
vida pública brasileira, em seu processo sinuoso de conquista e de afirmação da
autonomia nacional.
Continua...
Há traços constantes na tessitura da trajetória do Grupo
Maranhense, dentre os quais podem ser destacados a poesia e o jornalismo. O
sopro poético perpassou os interesses intelectuais da totalidade maranhense dos
fundadores do humanismo brasileiro, do que não existe testemunho mais
conclusivo do que a presença criadora de Gonçalves Dias, artífice
incontrastável do verso na literatura brasileira, que conviveu com Odorico
Mendes, o qual prestigiou o vernáculo, vertendo para a língua portuguesa a
poesia épica universal de Homero e de Virgilio, advinda dos universos gregos e
romanos. E mais: interesse poético eloquente, que alcançou e envolveu o
matemático astrônomo e pensador Gomes de Souza, o da Anthlogie Universelle,
reunião do que lhe pareceu existir de melhor na lírica internacional, publicada
em Leipzig, nos idos de 1859, por F.A.Brockhaus, a demonstrar que o zero da
matemática e o infinito da poesia são irmãos, conforme reivindicava o poeta e
calculista Joaquim Cardozo.
Com o jornalismo não foi diferente. A mais alta linhagem da
inteligência maranhense se vinculou à tradição das folhas, a começar por José
Cândido de Morais e Silva, o Farol, logo desdobrado nas consulares presenças de
João Lisboa, Sotero dos Reis e Joaquim Serra, no evolver de gerações que ganhariam
os tempos e reclamariam para si, já no século XX, o concurso de Nascimento
Moraes, Neiva Moreira, Franklin de Oliveira, Odylo Costa, filho, Bandeira
Tibuzzi, Francisco do Couto Corrêa, José Sarney, Lago Burnett, Ferreira Gullar
e Pires de Saboia. Fundadores de jornais, renovadores do jornalismo, dirigentes
de cadernos especiais, editores e editorialistas, bem como historiadores do
jornalismo, os maranhenses transformaram as folhas em veículos de ideias,
conferindo uma consistência única às causas democráticas brasileiras e
internacionais, como aconteceu com Joaquim Serra e o abolicionismo e com Neiva
Moreira e a emancipação dos povos.
A carruagem da história cultural transitou a favor do
Maranhão, fiel a si mesmo, na confirmação renovada de sua presença na cultura
brasileira. Reiterar multiplicado de possibilidades, por meio da prosa de
ficção de Aluizio de Azevedo, da etnografia e do folclore de Celso de
Magalhães, do conto e do teatro de Arthur Azevedo, da ourivesaria em versos de
Raimundo Corrêa, do romance de Coelho Netto, da poligrafia de Graça Aranha, da
doutrina de Teixeira Mendes e do cancioneiro de Catulo da Paixão Cearense,
selando um casamento de amor com a cultura espiritual.
Escola das artes e das letras, a paisagem cultural maranhense
permaneceu fértil século XX afora, na contratura de gerações a encontrarem
mestres como Antônio e Raimundo Lopes, que fomentaram e inspiraram talentos
como os de Nunes Pereira, nos estudos antropológicos; Josué Montello, na prosa
de ficção; Ignácio Rangel, na teoria econômica; Franklin de Oliveira, na
filosofia da cultura; Odylo Costa, filho, no verso, na prosa e no jornalismo;
Neiva Moreira, no jornalismo político e libertário; Antônio de Oliveira, na
crítica literária; Oswaldino Marques, no pensamente estético; e Manoel Caetano
Bandeira de Mello, na linhagem poética de Gonçalves Dias e de Raimundo Corrêa.
Mais recentemente, a floração intelectual revigorada do
Maranhão, por diferentes caminhos, encontrou na reiterada fonte da cultura
revigorante destino, expresso nas vozes e nas presenças mais do que expressivas
de Ferreira Gullar, Bandeira Tribuzzi, José Sarney, João Mohana, José Chagas,
Bernardo Almeida, Nascimento Morais Filho, Nauro Machado, José Louzeiro e
Arlete Nogueira da Cruz Machado. A polimorfa contribuição maranhense à cultura
nacional, no verso, na prosa, no ensaio, na oratória, nas artes cênicas, enfim,
em todas as manifestações do espírito, em si mesma, constitui um título de
confirmação de que essa subjetividade comunicante é o quê de melhor distingue a
Tribo Timbira na civilização brasileira, demarcando a sua inestimável e
construtiva presença criadora.
Fernando Atallaia,
autor deste poemário intitulado Ode Triste para Amores Inacabados é, por
excelência, herdeiro de uma tradição de cultura, que projeta no verso, na
prosa, bem como na música, autor que é de mais de trezentas canções. Como
ninguém floresce sozinho, Fernando Atallaia, integrante do Grupo Carranca de
Poesia, irrigou a sua presença em todos os movimentos culturais que fertilizaram
o Maranhão na viragem do século XX para o século XXI. Mauro Ciro, Bioque
Mesito, Hagamenon de Jesus, Antônio Aílton, Dyl Pires, Ana Teixeira, Ciro
Falcão, Ricardo Leão, Paulo Melo Sousa e Samarone Marinho são seus companheiros
de viagem, na aventura cultural vivenciada com sentido universalista, na rua de
nossa comum aldeia, como recomendava Leon Tolstoi.
O canto sutil entoado por Fernando Atallaia, nesta Ode Triste
para Amores Inacabados, com certeza, configura um artefato literário construído
na emoção de tijolo sobreposto a tijolo, em busca da ambicionada simetria, com
a qual a vida vivida possa ser redimensionada enquanto sentido, quando
confrontada com tudo quanto é fraturado, inconcluso, dispare, bipolar,
contrastante e melancólico. Trata-se de uma aguda manifestação refletida de
sentimentos, que entre a reta e a curva procura o fio condutor dos labirintos
de Creta da existência, com uma ambição de unidade frente à vida do mundo em
estilhaços, ora recompostos na harmonia do canto poético.
Desde Mônica Matos, “que não merece este poema”, mas a quem o
cantor suplica: “Casa-te comigo e me calo”, até a sua mais intima confissão:
“Tenho de pedras as mãos”, porém, “tenho os ossos na poeira”, os versos de
Fernando Atallaia caminham na direção das liquefeitas consistências, pois “A
casa é fortaleza para pele”. No arcabouço das eternas brevidades, a narrativa
poética prossegue como testemunho de que “os poetas vagabundeados de aurora”
são seres que podem dizer aos tempos: “Dores à parte eu também amei”, sob a
dinâmica da fatal pergunta: “Quem sabe do amor mais que eu que amei de
muletas?”.
Fernando Atallaia entretece o seu contrastante canto entre o
verso e a prosa, mas sempre com a poesia, em razão do timbre, da dicção e do
ritmo subjacentes ao jogo de imagens com o qual trabalha sem descanso – “Minha
alma disposta ainda pula muros” – até reencontrar no devenido os improváveis
amanhãs resgatados entre sóis morrentes e redivivos, que galos nenhuns
anunciaram ou renegaram três vezes:
“Quem ensaiava o hino nacional apanhando na palmatória da consciência nem entendia o que era dor
Continuava a cantar mais alto gritando a liberdade que perfurava os olhos e os pulmões
Era uma morada de sonhos em desalinho alinhados para o amanhã de toda hora
Sem contemplar o sol morrendo nos dias indo para os braços da lua ninguém sentia que a luz criava Sombras no arco-íris
Por isso eles eram felizes muito felizes
Conseguiam queimar fogueiras sem temer os sóis que eram irmãos e nasciam”.
Existe uma memorável tradição de poesia em prosa, de prosa
com poesia, de prosipoemas na literatura universal, que se encontra, em
perspectiva próxima, entre Charles Baudelaire e Kalil Gibran, para ser
econômico. Se se quiser recorrer a um horizonte distante, os Cantares de
Salomão, na Bíblia Sagrada, dela configuram um testemunho mais do que valioso,
pela glorificação espiritual do amor físico, de que a poesia de Fernando
Atallaia se encontra perpassada, na fugaz tentativa de transformação do tempo
em eternidade:
“Vem o meu e o teu dedo
Alforriados da dor que nos afligia
E vem o tempo que nos irradia
Vem o meu e o teu dedo
E de velho um novo dia
Num arco-íris feito de anéis alianças
E sóis que desvendamos
Até o dia em que o ouro perde o brilho
E nossas mãos se desvencilham
Num arrancar de dedos”.
Esta pulsão de encontro espiritual por meio das faíscas dos
girassóis acesos nas brasas do mundo físico é um fio condutor na poética de
Fernando Atallaia: “Demorei anos para construir este serralho / Demorei séculos
para gozar neste latifúndio”, sob a fatalidade de desencontros marcados por
inconclusos amores que inspiram tristes odes: “Nada de concreto guarda a vagina
que alimenta o sonho de um orgasmo”. Qualquer coisa de divino a ser buscada
entre o gelo e o fogo, na transitória salvação dos que desvelam no precário as
ilhas afortunadas de alguma esvaída eternidade, entre o sal e o mel:
“O padrinho das ninfas em auroras sedentas –extintas
O entregador de rosas à motocicleta veloz
O algoz da tristeza apática das damas lançadas à ausência
O empalador das fêmeas entredentes
O ardor ao léu
Meu nome?
Meu nome é Jean Yves Lecastel
Nasci entre brechas nas frestas escuras do afeto
Nasci entre brechas nas frestas escuras do afeto
A ver a pele sangrar no dorso de mamilos rejeitados
Quais nascimentos sem odores
Ao gosto do fel o nome necessário
Do zelo no romper dos himens ao pesadelo
Dos senhores frios congelados
Frios patriarcas de castelos
A nudez da princesa era o que clamava
Debruçada entre cavalos ela no crepúsculo adormecia
E o tempo lhe trazia até as mãos que já tocavam
Ali no despertar de suas saias a me sugar todo mel
A me sugar todo mel
Meu nome?
Meu nome é Jean Yves Lecastel”.
Este talvez seja o fio
condutor de Ode Triste para Amores Inacabados: o da busca da alegria nas odes
do absoluto, a esbarrar no contingente, a tropeçar no circunstancial e a
conhecer as quedas do condicionado, quando a íntima ambição é a do infinito e a
da eternidade. O agora e a finitude constituem aporias para a fome e a sede de
metafísica, presentes na descomunal vontade de, pelo prazer e pela beleza,
vencer a morte. Eis o substrato do alfa e do ômega da poesia de Fernando
Atallaia, que floresce “de um quarto escuro para olhar a claridade” e encontra
a solidez líquida da breve redenção no corpo do amor:
“Despertai das entranhas do desejo olho meu corpo meu
Falo meu
Falo de amor nessa hora
Estátua em movimento desbunde em rotação
Minha mão inspira seios de lolitas e ninfetas
E que seja errante esse ser que busca
Ao encontro de Vivi Fernandes e Lara Stevens levo um poema que baba
Ao encontro de Vivi Fernandes e Lara Stevens levo um poema que baba
Chupo o verso da vulva insaciável e Hilda dorme para me sugar enquanto gozo
Chupo e caio
Devo ir agora antes que o mundo se acabe”.
Enfim, Ode Triste para Amores Inacabados, do poeta Fernando
Atallaia possui dialogias que rememoram ora Mário Quintana, ora Manoel de
Barros, na sua magia de retirar da quase prosa a sempre poesia. É quando
Fernando, em cumprimento da promessa, vem se tornando Atallaia, palavra que, no
árabe – "at-talai'a" –, significa torre de vigia, posto elevado,
desde onde é possível vislumbrar as paragens adjacentes e longínquas, para a
defesa do castelo e dos territórios como quê sagrados, de onde nasce, na
hipótese, a asa da esperança. Que esta Ode Triste para Amores Inacabados seja,
portanto, a certeza de novos e vindouros cometimentos, com os quais Fernando
Atallaia conduza os cantares maranhenses ao céu azul em que passeiam os
albatrozes.
LITERATURA BRASILEIRA: MEMBRO DA ACADEMIA BRASILIENSE DE LETRAS, ROSSINI CORRÊA ANALISA OBRA POÉTICA DE FERNANDO ATALLAIA
Rossini Corrêa é Conselheiro Federal da OAB, Professor-Doutor
e Advogado em Brasília. Filósofo do Direito, Corrêa é autor, entre outros
títulos, de Saber Direito-Tratado de Filosofia Jurídica; Jusfilosofia de Deus;
Crítica da Razão Legal; Bacharel, Bacharéis: Graça Aranha, discípulo de Tobias
e companheiro de Nabuco; Canto Urbano da Silva; Formação Social do Maranhão;
Baladas do Polidor de Estrelas; Teoria da Justiça no Antigo Testamento; e
Brasil Essencial: como conhecer o país em cinco minutos.







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o diabo é quem lê um texto nesse tamanho
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