A história de João, um homem que cometeu faminicídio...
João se encontrava no meio da sala, cercado pelo vazio de sua casa. Aos 45 anos, seus cabelos já mostravam os primeiros fios brancos, um testemunho das jornadas e preocupações da vida. Há apenas três dias, essa casa estava repleta de vida. Os móveis, as risadas, o barulho das crianças correndo, a voz melodiosa de Clara, sua esposa, cantarolando pela manhã. Agora, só restava a rede, o rádio e o silêncio.
Ele se balançava lentamente na rede, tentando encontrar algum conforto no movimento monótono. Ligou o rádio na esperança de que a música preenchesse o vazio que sentia, mas o som apenas acentuava sua solidão.
Clara tinha dez anos a menos que João. A diferença de idade nunca pareceu um problema, até que a monotonia se instalou entre eles. Ela, com seus trinta e poucos anos, emanava uma energia vibrante, enquanto ele sentia o peso da rotina. Frequentava academia, o corpo era firme e atraente. Clara era ainda uma mulher bonita e desejável. Durante meses, Clara expressou o desejo de mudar, de se libertar daquela vida estática. João, por sua vez, achava que eram apenas fases, que logo passariam.
Não houve gritos, não houve lágrimas. Apenas uma manhã, em que Clara, com sua mala pronta, olhou para João e disse: "Preciso encontrar meu caminho, João. E você também o seu." Ele não compreendeu naquele momento, ficou parado, observando a mulher que amava partir, levando consigo os móveis e a vivacidade que preenchia aquele lar.
João sentiu falta não apenas de Clara, mas do caos, das brigas a mesa, da presença dos dois filhos adolescentes, da bagunça e da rotina de seu lar. Agora, na quietude de sua casa, ele começou a refletir sobre sua vida, o que tinha e o que havia perdido.
Sentado na rede, João deixava as memórias fluírem, envolvendo-o em um turbilhão de sentimentos. A cada balanço, recordações de anos passados inundavam sua mente. O nascimento dos filhos, as noites sem dormir cuidando de febres e pesadelos infantis, os primeiros passos, as primeiras palavras. Tantas primeiras vezes, tantas memórias que ele guardava como tesouros.
E agora, esses mesmos filhos estavam na adolescência, um período de mudanças, de questionamentos, de desafios. João sempre imaginou que estaria ao lado de Clara para enfrentar juntos essa nova fase da vida, guiando e apoiando os filhos no caminho da maturidade.
Ele não entendia por que Clara quis partir. Ele havia envelhecido, claro. A barriga havia crescido, parte dos cabelos haviam embranquecido, e as rugas contavam as histórias de quase duas décadas de comprometimento e dedicação à família. Tudo o que ele fez, todos os sacrifícios, foram pensando no bem-estar deles. Ele se via como um pilar, um porto seguro para sua família. E de repente, tudo desmoronou.
Para João, a família era seu norte. A ideia de chegar aos 50 anos, uma marca significativa, sem Clara e os filhos ao seu lado era impensável. A solidão que ele sentia agora era agravada pela sensação de que, apesar de todos os seus esforços, tudo se desfez tão rapidamente.
Na quietude da sala, João se perguntava se tinha valido a
pena. Ele deu tudo de si, e agora estava sozinho. Os momentos de alegria, as
celebrações, as pequenas vitórias do dia a dia, tudo parecia ter sido em vão.
Os dias que se seguiram foram de tormento para João. A casa, antes repleta de vida, agora o sufocava com sua quietude. O vazio em seu peito crescia a cada segundo e se transformava em amargura. Uma névoa de tristeza se instalou em sua alma, e a depressão, silenciosa e traiçoeira, começou a tomar conta.
Numa tarde particularmente difícil, João levantou-se abruptamente da rede. Precisava sair, respirar, sentir algo diferente. Andou sem rumo pelas ruas da cidade até encontrar um bar, um refúgio sombrio e acolhedor. Sentou-se no balcão e uma cerveja. E depois outra. E mais uma. A bebida aquecia sua garganta e anestesiava sua dor, ao menos temporariamente.
A imagem de Clara não saía de sua mente. Em alguns momentos, a saudade do toque dela, do sorriso, da voz, era tão intensa que ele quase podia senti-la ao seu lado. Em outros, a raiva o consumia. Como ela pôde partir e desmantelar tudo o que construíram juntos? Como pôde deixá-lo sozinho com todas essas lembranças?
A bebida tornou-se sua única companhia. Todos os dias, após o trabalho, João buscava refúgio no bar. Mas logo, o trabalho também começou a ser afetado. As faltas se acumulavam, e as cobranças não paravam. A cada mensagem de Clara pedindo dinheiro para as despesas dos filhos, a mesada, a pensão alimentícia, João sentia como se um punhal o atingisse. Ele queria gritar, dizer que também precisava dela, que não era apenas um provedor, mas um homem quebrado, buscando sentido em um mundo que de repente se tornara estranho.
Os colegas de trabalho notaram a mudança. A postura antes ereta agora estava curvada, o olhar antes atento e vivaz, agora perdido. Mas ninguém ousava se aproximar, temendo o que encontrariam. Todos sabiam que João estava despedaçado, porque sua família tinha se despedaçado. Ele não tinha amigos para lhe dar suporte.
As semanas passavam, e João parecia uma sombra do homem que um dia foi. A saudade de sua família, de Clara, dos filhos, era um fardo pesado demais para carregar. Ele sentia que estava em um beco sem saída, preso em um ciclo de dor e desespero.
A vida de João, que antes seguia um ritmo calmo e previsível, agora era um turbilhão de emoções. Ele lembrava dos domingos em que, de mãos dadas com sua família, entrava na igreja do bairro. Eram momentos de conexão, de gratidão, de fortalecimento dos laços familiares. Mas essas lembranças agora pareciam distantes, como se pertencessem a outra vida, a outro João.
Ele não compreendia os motivos de Clara. Em sua mente, ele havia sido um bom marido, um bom pai. Havia oferecido a ela e aos filhos uma vida estável e confortável. Jamais levantou a mão para ela ou proferiu palavras ásperas. Mas as palavras dela, ao partir, ecoavam em sua mente: "Foi um fardo para mim." Como algo que ele considerava tão precioso poderia ser um peso para ela?
Com a perda do emprego, João se sentiu ainda mais desamparado. O dinheiro do seguro-desemprego mal cobria as despesas básicas. Parte era destinada à sustentação da família, parte afogava as mágoas no álcool. A cada dia, ele se distanciava mais da imagem do homem que um dia foi: firme, centrado, repleto de fé e esperança.
A amargura tomou conta de seu coração. Sentia-se traído, abandonado, sem propósito. As noites eram longas, e muitas vezes, ele se pegava olhando para o teto, perguntando-se como tudo havia chegado àquele ponto. Cada mensagem de Clara solicitando mais dinheiro era como um lembrete cruel de sua realidade despedaçada.
Os vizinhos observavam a decadência de João à distância, comentando entre si sobre a tragédia que se abateu sobre aquele homem. Muitos se afastaram, outros tentaram ajudar, mas João se fechava cada vez mais em sua própria dor, criando uma muralha intransponível ao redor de si.
Numa manhã de domingo, o céu cinzento e a atmosfera melancólica pareciam espelhar o estado de espírito de João. Ele estava deitado na rede, perdido em seus pensamentos, quando uma memória intensa de Clara e dos filhos o atingiu. Naquele instante, ele sentiu uma profunda saudade, não só das pessoas, mas da vida que tinham juntos, da rotina, dos pequenos momentos que costumavam compartilhar. Foi uma sensação avassaladora.
Naquele momento, uma decisão cristalizou-se em sua mente. Não iria se entregar à bebida, não naquele dia. Precisava ver sua família, tentar compreender, talvez buscar algum tipo de reconciliação ou, no mínimo, algum fechamento.
Com passos decididos, ele caminhou até a casa onde Clara e os filhos agora moravam. Ao se aproximar, o aroma familiar do almoço que ela preparava invadiu suas narinas. Aquilo o transportou no tempo, para os domingos felizes que costumavam ter.
Ele bateu na porta e, ao ser aberto pelos filhos, seus olhos brilharam de alegria. Eles o abraçaram fortemente, expressando a saudade que sentiam. Por um breve momento, tudo pareceu como antes.
Clara apareceu na entrada da cozinha, com um semblante misto de surpresa e cautela. Sem dizer uma palavra, João fez um sinal com a cabeça, indicando que gostaria de conversar. Ela assentiu e, depois de pedir aos filhos que fossem brincar no quintal, guiou-o até a cozinha. Os dois sentaram-se frente a frente, e o silêncio inicial foi preenchido apenas pelo borbulhar das panelas no fogão.
João respirou fundo, preparando-se para iniciar aquele diálogo tão necessário.
João: Clara, eu te imploro... Estes dias sem você, sem os meninos, têm sido complicados demais pra mim, um inferno! Eu reconheço os meus erros, as minhas falhas, mas te peço uma chance. Quero retomar nossa vida, nosso lar. Posso buscar meu antigo emprego, podemos tentar recomeçar.
Clara: João, eu sei que você está sofrendo, mas precisa se reerguer, não por mim, mas pelos seus filhos. Você viu a alegria que eles ficaram quando ti viram? Acredita, eu também senti a dor da separação, mas eu tenho certeza que foi melhor assim.
João: Claro, eu não mereço o que estou passando, e eu sinto que ainda podemos ser felizes juntos. Ainda podemos voltar ser aquela família unida. Por favor, volta pra mim. Não estou sabendo lidar com isso.
Clara: Você está bebendo, perdeu o emprego, você precisa entender e aceitar que acabou a nossa história e seguir a sua vida. E João... tem algo que você precisa saber. Eu nunca te traí, nunca fiz tive nenhum outro homem durante nosso casamento, mas agora... tem outra pessoa em minha vida.
João: O quê? Como assim? Eu não acredito em você, eu não acredito
nisso.
Ele se ergueu.
Clara: Eu não planejei, ele simplesmente apareceu. E isso me fez perceber que a nossa relação já não tinha mais a mesma chama de antes. Não é culpa de ninguém, são apenas caminhos que a vida nos leva.
João: Mas eu te amo, Clara. Eu te amo mais do que tudo. Não posso imaginar minha vida sem você.
Clara: Eu sei, João. E eu agradeço por todos os anos que passamos juntos. Mas agora você precisa seguir em frente, refazer sua vida, encontrar alguém que te complete. Eu vou seguir o meu caminho, tentar viver a vida que agora se apresenta para mim. O que tivemos acabou, e acabou de vez.
João sentiu uma vertigem repentina. As palavras de Clara o atordoaram, fazendo com que um turbilhão de emoções o dominasse. Em um instante de desespero, seus olhos fixaram-se em uma faca sobre a pia. Ele caminha abruptamente, pegou firne a faca e partiu na direção da ex-mulher. Clara, assustada, tentou correr, mas foi atingida nas costas e nos pescoço. João matou Clara. Sentou-se ao lado do corpo, e tomando de profunda emoção viu o mundo naquela cozinha girar rapidamente diante de si e lhe faltava o chão.
Na manhã seguinte, o cotidiano da cidade foi perturbado por essas notícias que dominaram os rádio, os jornais, TVs, blogs, redes sociais. O trágico assassinato que chocou a todos se espalhou rapidamente: um homem, incapaz de aceitar o fim de seu relacionamento, havia tirado a vida de sua ex-mulher. O ar estava pesado de incredulidade e tristeza. Nas praças, casas e locais de trabalho, o assunto era único. As conversas giravam em torno da recorrente realidade em que muitas mulheres são vítimas: homens que, em sua necessidade de controlar e subjugar, recusam-se a permitir que suas parceiras sigam em frente. Homens que, na incapacidade de aceitar o fim, tomam medidas extremas, marcadas por atitudes de violência e posse.
Veja abaixo as notícias que chocaram a população:
Jornal A Cidade:
"MONSTRO: Homem mata ex-mulher por não aceitar fim do relacionamento."
Blog do Roberto Silva:
"Feminicídio choca os moradores de nossa cidade: Mulher assassinada por ex após separação."
Notícias de Hoje:
"Inaceitável: Homem tira a vida da ex-mulher em ato de desespero e raiva."
Folha da Capital:
"Feminicídio: A triste realidade que persiste. Homem não aceita separação e comete feminicídio."
O Observador:
"Polícia prende rapidamente homem após trágico feminicídio. Comunidade pede justiça."
TV Difusora:
"Tragédia familiar: O que leva um homem a tirar a vida
de sua ex-mulher? Especialistas comentam o recente caso de feminicídio."
3 Comentários
eu duvido alter lido esse texto todo kkkk
ResponderExcluirHistória grande dá poxa.
ResponderExcluirÉ livro todo esse texto
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